domingo, outubro 26, 2008

Proposta de correcção Eva

Para que consigamos entender na sua plenitude a resolução deste caso prático é importante que recorramos a alguma fundamentação teórica. Nesta primeira abordagem do caso teremos que definir e entender aquilo que são as Fontes do Direito, e particularmente o que é o Costume e qual a sua influência na criação e aplicação de Lei.
As Fontes do Direito em sentido técnico-jurídico, consiste nos modos de formação e revelação das normas jurídicas num determinado ordenamento jurídico. Desta forma as mesmas podem dividir-se em:
Fontes Imediatas ou Directas do Direito; São aquelas que criam normas jurídicas.
Fontes Mediatas ou Indirectas do Direito; São aquelas que não criam normas jurídicas, mas contribuem para a sua formação.
São tradicionalmente enumeradas quatro fontes do direito:
A Lei;
O Costume;
A Jurisprudência;
A Doutrina.
Como iremos ver de seguida, o Código Civil estabelece nos artigos 1.º a 4.º disposições sobre as fontes do direito e considera a lei como única fonte imediata do direito em contraposição aos usos (artigo 3º) e equidade (artigo 4º) cuja força vinculativa provém da lei, ou seja, os usos e equidade só têm relevância jurídica, quando a lei o determine.
Portanto, temos:
A lei como fonte imediata do direito
Os usos e a equidade são fontes mediatas do Direito.
O costume é prática de uma conduta social reiterada e constante, acompanhada da convicção da sua obrigatoriedade pela comunidade.
O costume é assim constituído por dois elementos essenciais que devem estar sempre presentes sob pena de não ser costume:
Corpus (usos) – Uma prática social reiterada e constante.
Animus – A convicção da respectiva obrigatoriedade, como se estivesse a obedecer a uma norma geral e abstracta.
Do ponto de vista da lei, o costume pode ser visto de três diferentes maneiras:
Costume Secundum Legem (segundo a lei): O costume que confirma ou interpreta (a lei Portuguesa ignora-o, o que significa que não o considera relevante);
Costume Praeten Legem (para além da lei): O costume que regula aspectos não regulados pela lei (o código civil Português no artigo 10º não alude ao costume como meio de integração de lacunas da lei, logo este não é admitido no Direito Português);
Costume contra Legem (o costume contrário a lei): O costume que cria uma regulamentação contrária à lei (este costume não é admitido no ordenamento jurídico Português, se o fosse implicaria a cessação da vigência da lei, e segundo o artigo 7º do Código Civil, a lei só deixa de vigorar se for revogada por outra lei).
O código Civil Português exclui o costume como fonte imediata de direito e nem sequer o reconhece como meio de integração das lacunas da lei.
O legislador apenas admitiu que os usos tinham relevância jurídica quando a lei para ele remete e portanto nunca contra a lei – fonte mediata de Direito (artigo. 3º/1do Código Civil). Aliás, quando na lei civil nos aparece a referência ao costume é mais no sentido de uso, como por exemplo no artigo. 737º/1 A, 1400º/1 do Código Civil entre outros).
Diferente do costume é o uso, ou seja, o uso é prática reiterada de uma conduta a que falta a convicção da respectiva obrigatoriedade (o animus).
Tendo em conta todas as noções supra mencionadas o caso em questão apresenta-nos um exemplo daquilo que entendemos por uso uma vez que o facto de existir uma tradição muito antiga repetida ao longo de vários anos não lhe transmite um carácter obrigatório, necessário à caracterização como Costume. Para que a mesma fosse encarada como tal seria necessária a convicção de obrigatoriedade por parte de todos os intervenientes na tradição, só assim estaríamos na presença de um exemplo de Costume.
2ª Parte
Mas o amor da vida de Florianabela é Estrelita: por viverem como um casal há mais de dois anos, candidataram-se para adoptar duas crianças, ao abrigo do Decreto-Lei 101/08 de 13 de Outubro de 08, que disponha no artigo 2º: “as mulheres que vivam maritalmente há mais de dois anos, podem adoptar crianças, porquanto, se a afectividade de uma mulher é enorme, de duas será ainda mais intensa”.
Desta feita é necessário compreender primariamente o que se entende por lei; de que forma a lei está hierarquizada ;como é efectivada uma lei e de que forma a mesma se adequa aos cidadãos.
A lei é considerada uma fonte imediata do direito, o artigo. 1º do Código Civil acolhe a Lei como a única fonte imediata do Direito.
Portanto a lei como fonte imediata do direito, cria normas jurídicas, com carácter vinculativo emanadas do órgão dotado de competência legislativa.
Artigo 1º (Fontes imediatas do direito)
1. “São fontes imediatas do direito as leis e as normas corporativas”;
2. “Consideram-se leis todas as disposições genéricas provindas dos órgãos estaduais competentes; são normas corporativas as regras ditadas pelos organismos representativos das diferentes categorias morais, culturais, económicas ou profissionais, no domínio das suas atribuições, bem como os respectivos estatutos e regulamentos internos.”;
3. “ As normas corporativas não podem contrariar as disposições legais de carácter imperativo”.
Neste artigo 1º a lei é empregue em sentido amplo, no entanto, o termo lei pode ter vários significados:
Tem o significado de ordenamento jurídico, como por exemplo no artigo. 13º/1 da Constituição da República Portuguesa, onde se consagra que “ “ Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei. ”;
Tem o significado de acto legislativo (lei [acto legislativo da Assembleia da República] ou Decreto-lei [acto legislativo do Governo]) como por exemplo no artigo 103º/2 da Constituição da República Portuguesa, onde se consagra que; “Os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes.”
Tem o significado de norma jurídica, como por exemplo no artigo. 205º/1 da Constituição da República Portuguesa onde se refere "As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei."
Tem o significado de Direito;
E tem ainda o significado de diploma legislativo.

Podemos então afirmar que a Lei emerge do poder legislativo.
Para este caso especifico vamos apenas ter presente as leis da Assembleia da República os decretos-leis e os decretos – regulamentares do Governo.
Em certas matérias só pode legislar a Assembleia da República, a essas competências dá-se o nome de reserva absoluta de competência legislativa (artigo.164.º da Constituição da República Portuguesa), em outras matérias pode legislar a Assembleia da República ou o Governo sempre e quando seja autorizado pela Assembleia da República, através duma lei de autorização, a essas competências dá-se o nome de reserva relativa de competência legislativa, porém devemos ter sempre em mente que a Assembleia pode restringir-lhe a si o direito de legislar, mediante o cumprimento de um determinado prazo (artigo.165.º da Constituição da República Portuguesa).
Portanto a Assembleia da República tem competência para efectivar leis e o Governo tem competência para efectivar decretos-leis bem como competência regulamentar exercida através de decretos-regulamentares; resoluções do Conselho de Ministros; portarias e despachos normativos.
Processo de Criação das Leis:
O processo legislativo de elaboração das leis compreende as seguintes fases:
Elaboração;
Aprovação;
Promulgação;
Publicação;
Entrada em vigor.

Elaboração: Em primeiro lugar há que elaborar o texto da lei.
Na Assembleia da República, a elaboração e aprovação da lei obedece a certas formalidades que estão reguladas e previstas na constituição.Só pode iniciar o processo legislativo, quem tiver competência de iniciativa legislativa:
"A iniciativa da lei compete aos Deputados, aos grupos parlamentares e ao Governo...." (artigo. 167º/1 Constituição da República Portuguesa).
A seguir à elaboração segue-se a discussão e votação (artigo 168º da Constituição da República Portuguesa).
A elaboração e votação dos decretos-lei e dos decretos regulamentares por parte do Governo é informal.
Aprovação: Aprovação das leis por maioria na Assembleia da República e os decretos-leis por maioria em Conselho de Ministros.
Promulgação: “As leis, os decretos-leis e os decretos regulamentares carecem de promulgação do Presidente da República”, (artigo. 134.º b da Constituição da República Portuguesa); a falta de promulgação determina a inexistência do acto. (artigo 137.º da Constituição da República Portuguesa)
A promulgação é o acto pelo qual o Presidente da República atesta solenemente a existência da norma e intimida à sua observância
Publicação: A lei para poder ser aplicada tem que ser conhecida e para ser conhecida tem que ser publicada, a sua publicação é feita no Diário da República, nos termos do artigo 119º, da Constituição da República Portuguesa, e no artigo 5º/1 do Código Civil e da lei 74/98 de 11 de Novembro.
Com a publicação, a lei passa a ser obrigatória, isto não significa que ela seja desde logo aplicável, há ainda a necessidade de estabelecer o começo da sua vigência.
Entrada em Vigor: Depois da lei ser publicada no Diário da República e para que a mesma entre em vigor, existe um determinado espaço de tempo. O número 2 do artigo. 5º Código Civil, dispõe o seguinte: "Entre a publicação e a vigência da lei decorrerá o tempo que a própria lei fixar ou, na falta de fixação, o que for determinado em legislação especial."
A este tempo que medeia entre a publicação e a entrada em vigor da lei, chama-se "Vacatio Legis"
Quando é que uma lei entra em vigor?
A entrada em vigor de uma determinada lei depende por um lado, se a mesma fixa ou não um prazo para que entre em vigor, e por outro da sua urgência, complexidade ou vigência.
Por exemplo:
O Diário da República distribuído hoje tem a data de hoje, os diplomas nele publicados têm a data de hoje que corresponde à data da publicação.
Assim, se uma lei publicada no Diário da República de hoje fixar uma data para entrar em vigor, por exemplo, esta lei entra em vigor no dia 30/10/99.
Será nessa data que essa lei entra em vigor.
Se uma lei também publicada no Diário da República de hoje não fixar a data de sua entrada em vigor esta lei entra em vigor no continente no 5º dia após a publicação não se contando o dia da publicação (o dia de hoje)
Hierarquização das Leis:
A hierarquia das leis prende-se com o facto de que nem todas as normas apresentam o mesmo valor jurídico. As leis estão escalonadas hierarquicamente. Da mesma forma, as normas de hierarquia superior prevalecem sobre as normas de hierarquia inferior
Exemplo:
Se uma norma de hierarquia inferior contrariar uma norma de hierarquia superior poderá ser considerada inconstitucional ou ilegal, consoante contrarie, respectivamente a constituição da República Portuguesa ou qualquer outra lei.
As leis especiais prevalecem sobre as leis gerais.
A hierarquia das leis respeita a hierarquia dos órgãos de que são emanados.
A hierarquia das leis tem a seguinte configuração em forma de pirâmide:
Constituição da República;
Tratados Internacionais; Leis Criadas ao abrigo de Tratados Internacionais (Leis da União Europeia; Legislação Comunitária; regulamentos e directivas);
Lei e Decreto-lei;
Regulamentos; Portarias; (Despachos do Concelho de Ministros).

Segundo a explanação teórica acima referida, um Decreto-lei é um diploma emanado pelo Governo que lhe dá o poder de Legislar segundo a Reserva Legislativa atribuída pela Assembleia da República.
Se existe o Decreto-lei 101/08 de 13 de Outubro de 08, que dispõe no artigo 2º: “as mulheres que vivam maritalmente há mais de dois anos, podem adoptar crianças, porquanto, se a afectividade de uma mulher é enorme, de duas será ainda mais intensa”, significa que o mesmo passou pelos cinco passos de criação da lei; Elaboração, Aprovação; Promulgação; Publicação e Entrada em Vigor pelo que o Decreto-lei do caso em apreço entrou em vigor no 5º dia seguinte à sua publicação, ou seja no dia 18 de Outubro de 2008.
Este Decreto-lei está totalmente em desacordo com o Código Civil nos seus artigos nºs 1628º (Casamentos Inexistentes) alínea e) “ o casamento contraído por duas pessoas do mesmo sexo” e 1979º (Quem pode adoptar plenamente).
Tendo isto em conta, qual será a Lei a aplicar?
Em casos como este devemos recorrer a um dos princípios da hierarquia das Leis - A Leis com o mesmo valor jurídico aplica-se a Lei mais recente.
Assim, neste caso especifico e tendo a lei cumprido todos os passos necessários à sua entrada em vigor, aplica-se o Decreto-lei. 101/2008 de 13/10, dado o mesmo ser mais recente que o Decreto Lei que aprovou o Código Civil, determinando-se assim que “as mulheres que vivam maritalmente há mais de dois anos, podem adoptar crianças, porquanto, se a afectividade de uma mulher é enorme, de duas será ainda mais intensa”.
Porém nesta última fase de análise deparamo-nos com mais um desacordo entre leis, já referido durante a apresentação de fundamentação teórica, segundo o artigo 13º/1 da Constituição da República Portuguesa “ Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei. ” o que determina que este decreto lei é inaplicável uma vez que não respeita este artigo, afirmando que a adopção por parte de mulheres é aceitável, sem mencionar quaisquer igualdade de direitos para o sexo masculino.
Desta forma e uma vez que a Constituição da República Portuguesa é o texto judicial com maior poder no panorama legislativo Português, o decreto-lei em estudo nunca poderia vigorar; ser aprovado ou colocado em vigor, pois seria sem quaisquer dúvidas inconstitucional.